sábado, 8 de novembro de 2014

 A batalha recente por mais verbas para a educação não se localizava nas proximidades dos estádios onde vai ocorrer a Copa do Mundo, mas sim no Congresso Nacional.

Há quatro anos Câmara e Senado debatiam o projeto do novo Plano Nacional de Educação (PNE) destinado a definir os rumos da educação nacional para o período 2011-2020.  De imediato, salta aos olhos a demora de três anos para sua aprovação.

Quais as dificuldades para se chegar a um acordo?

É fato corrente que nas últimas décadas houve um crescimento significativo do acesso à escola, mas além de um conhecimento cada vez mais restrito a pontos específicos da ciência e da técnica, chama a atenção de todos os interessados no problema da educação a baixa qualidade da formação dos estudantes. O acesso ao ensino fundamental praticamente se universalizou, já que 97% dos brasileiros entre 7 e 14 anos estão matriculados.

O analfabetismo funcional sofreu uma queda nos últimos 12 anos: em 2002 o Brasil apresentava um total de 32,1 milhões de analfabetos funcionais, o que representava 26% da população entre 15 anos ou mais de idade; hoje representa 18%. Nos últimos 12 anos foram criadas 14 universidades. É uma situação tão grave que mesmos os avanços parecem pouco notados. Como explicar esse quadro?

As precárias condições de trabalho na educação, entendidas como a situação das escolas e a remuneração dos profissionais, são consensuais que, em grande parte, são insatisfatórias.

A média dos salários é muito baixa, o que por si já é grande desestímulo à atividade docente, mas acrescente-se a falta de equipamentos e tecnologias adequadas, desde a mais tradicional, como a disponibilidade de livros em bibliotecas atualizadas e o acesso à rede mundial de computadores.

A privatização dos setores de serviços, que inclui cada vez mais a educação sob as mais diversas formas, tem transformado os trabalhadores desses setores em produtores diretos de mais-valia e precarizado as relações trabalhistas.

Na rede pública recorre-se aos contratos temporários porque é possível rebaixar ainda mais o salário e as garantias sociais.  Na rede particular, observa-se a tendência das escolas assumirem diretamente que são empresas capitalistas, abrindo mão do caráter filantrópico que assegurava isenções de impostos e facilidades provenientes desse status, assim passam a atuar sem amarras, negociam suas ações nas bolsas de valores e formam conglomerados que podem incluir produção de bebidas alcoólicas, cigarros e etc.

A intensificação da extração de mais-valia  extensiva e intensiva se acelera, especialmente no segundo caso com a padronização dos procedimentos pedagógicos e o uso da tecnologia digital. Dessa forma, a composição orgânica no setor também reflete a tendência geral da economia capitalista e as “máquinas de educar” se tornam cada vez mais estratégicas, como se pode ver no aumento da chamada educação a distância.

A privatização do setor assume características particulares. Importantes segmentos do capitalismo se organizam para disputar verbas públicas em áreas como produção de material didático e formação de professores.

Esse setor se expressa publicamente através do movimento “Todos pela educação”, articulação de capitalistas que são levados agora a reivindicar não somente isenção fiscal, redução de impostos, perdão de dívidas e outros incentivos, mas também aumento de recursos para a educação.

Portanto, a campanha pelos 10% do PIB para a educação contou com o vivo interesse do movimento, visando o percentual de recursos destinados às escolas particulares. Não devemos ficar surpresos com isso, e nem com o fato de um partido social-democrata no governo estimular tal pretensão.

O resultado foi a aprovação de um PNE consensual, que não representa um avanço significativo para uma educação socialista nem atende completamente os interesses dos capitalistas da educação, que acham algumas metas “insuficientes ou tímidas”.

Isso deve ser explicitado porque críticas superficiais podem imobilizar ou desviar os setores potencialmente mais comprometidos com transformações estruturais na educação brasileira.

A elevação dos investimentos dos atuais 5% para 10 % ao longo de 6 anos e o comprometimento de algumas estratégias com o setor particular, como é o caso dos programas FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), PROUNI (Programa Universidade Para Todos) e PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), perfeitamente assegurados no Plano, não fazem dele medida de impacto  capaz de “mudar a situação das escolas e elevar o ânimo dos professores, que passariam a desenvolver suas atividades com entusiasmo e dedicação” (Saviani, 2007).

No entanto, temos uma situação nova que poderá servir de importante instrumento para a luta dos trabalhadores da educação, dos estudantes e de suas famílias.

A aprovação no ano passado de 75% dos royalties do petróleo e 50% do excedente em óleo do pré-sal para a educação é outro instrumento de luta a ser levado em conta. A omissão do plano quanto às fontes de financiamento não é tão grave na medida em que esta lei já foi aprovada.

Na relação entre meios e fins, o PNE também expressa uma composição que procura atender às mais diferentes orientações, desde o aligeiramento da formação com o incentivo de cursos de pós-graduação stricto sensu, usando a chamada educação a distância, até a definição da meta de se alcançar a educação integral em 25% do ensino básico.

Esta meta, de fato tímida, tem o grande mérito de recolocar em evidência a educação integral, experiência das mais importantes em nossa história.
Aprovado pelo Congresso em 3 de junho último, em menos de 30 dias o PNE foi sancionado pelo Presidenta Dilma. Começa agora a batalha por sua implementação.

Quanto ao acompanhamento e controle das metas, o Plano propõe um fórum nacional de educação e a realização de conferências nacionais. Não é preciso ir muito longe para vermos o quanto será árdua a luta para que o PNE não seja bem sucedido apenas nos aspectos que favorecem a educação capitalista, e se tornar simples retórica, ou fracasse nos aspectos favoráveis à grande maioria da população. Para tal, as oligarquias estão bem organizadas e contam com todo o apoio da mídia dos monopólios.

Os trabalhadores, estudantes e pais terão que aperfeiçoar seus instrumentos de mobilização e organização para acompanhar o cumprimento das metas que de fato lhes interessem, como melhoria das escolas e condições dignas para os trabalhadores da educação, capaz de proporcionar-lhes entusiasmo e dedicação.

As grandes mudanças na educação não ocorrem sem grandes lutas, desde a criação da escola pública pela Revolução Francesa até as grandes conquistas na ciência e acesso à cultura nas revoluções socialistas do século XX.

Estamos à frente de um desafio que exige identificar a particularidade da educação e sua relação com a política de uma sociedade de classes, na qual ela se subordina.

O agravamento das crises capitalistas aprofunda esta subordinação, não havendo praticamente espaço para investigações que não se subordinem aos interesses do capital (Bevilaqua, 2011).

Comitês contra a educação neoliberal e por uma educação não-capitalista, portanto socialista, podem ser as bases da campanha pela educação que organize os setores sociais que de fato precisam de uma educação pública onilateral, capaz de formar plenamente o ser humano e contribuir na construção da sociedade comunista.

Referências:

BEVILAQUA, Aluisio Pampolha. A Crise do Capital em Marx e suas Implicações nos Paradigmas da Educação. Fortaleza; Rio de Janeiro: Editora Inverta; Edições UFC, 2011.

SAVIANI, Dermeval. O Plano de Desenvolvimento da Educação: análise do projeto do MEC. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1231-1255, out. 2007. Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>

CEPPES – Centro de Educação Popular e Pesquisas Econômicas e Sociais.

Essa matéria foi publicada na Edição 473 do Jornal Inverta, em 26/06/2014

0 comentários:

Postar um comentário